Primeiro de Maio em Quito

Acordei cedo para ver a Marcha del Primer de Mayo. A cidade estava parada, não havia sequer ônibus, peguei um táxi até o centro antigo para esperar a passeata. Chegando lá percebi que haviam policiais por todos os lados. Todas as ruas que levavam para a Plaza Grande (onde fica o Palácio do Governo) estavam fechadas com barricadas de policiais que não permitiam que ninguém passasse.Podia sentir uma certa tensão no ar.

Fui para a rua ver a passeata. Estava muito bem organizada, acho que todos os grupos lá estavam representados: camponeses, estudantes, operários, crianças, índios… Era como um carnaval, passavam os blocos com bandeiras, uniformes, faixas, bonecos… O público ficava apertado nas calçadas assistindo aos manifestantes passarem. Parecia um dia de festa, todos saíram para rua, havia também vendedores de sorvete, refrigerante, comida, bandeiras…

La Marcha terminava na Plaza San Domingo, três quarteirões de distância da Plaza Grande. Lá os manifestantes tinham um palco com alguém discursando e músicos. De repente ouvi gritos, e vi vários policiais chegando em moto num dos cantos da praça. Corri para ver o que era e ouvi estouros. Os estúpidos jogaram bombas de gás lacrimogêneo. As pessoas começaram a correr, e eu também. Houve pânico. Meu olhos ardiam muito e sentia uma asfixia. As pálpebras latejavam sem parar. Nunca tinha sentido isto antes. No desespero, resolvi, respirar pela boca, algo que não deveria ter feito… foi como se algo estivesse corroendo minha garganta.

Via todos correndo e chorando, homens, crianças e mulheres. Cresceu em mim uma raiva enorme dos policiais, até esqueci os efeitos do gás. Não sei se influenciou o fato que na noite anterior tinha terminado de ler “Dias y Noches de Amor y Guerra” de Eduardo Galeano. O livro fala o tempo todo das ditaduras e da falta de liberdade de expressão na América Latina.

Quando me dei conta, estavam dois policiais também correndo do meu lado, um de máscara o outro não. Cheguei bem perto dele e com raiva, chorando, gritei no meu pobre espanhol: “No entiendo. Porque hacen esto?” Ele me olhou sério e preferiu não responder, continuou correndo.

O dia que parecia uma festa, ensolarado e alegre, de repente ficou nublado e feio, todos foram embora… a força da repressão mudou até os humores do tempo…

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