Em 2011 experimentei dois “encontros” com David Byrne, ex-Talking Heads e multiartista, que atualmente é conhecido pelo seu estilo de vida sobre duas rodas. Já na década de 1980, David resgatou uma biclicleta do tempo de adolescência e começou a pedalar por Nova York. A opção pela bicicleta não ficou restrita só ao seu dia-a-dia, mas passou a fazer parte integrante de sua bagagem nas diversas turnês e viagens de trabalho que fez pelo mundo. Os giros de bicicleta tornaram-se mais do que uma opção de deslocamento, mas passaram a fazer parte de uma filosofia de vida, de um estado de espírito e de uma opção de futuro. Do alto do seu celim, o olhar de David Byrne passou a ser antropológico, posicionando-se como observador das cidades e de sua cultura, mas sempre através da experiência prática de seus trajetos não óbvios, não turísticos e não convencionais. Toda essa experiência rica e reflexiva está em seu livro “Diários de Bicicleta”, lançado em 2010, no Brasil, pela editora Amarilys. O músico e compositor Tom Zé assina o prefácio da versão brasileira.
Ao longo da leitura da obra, foi fantástico descobrir que as reflexões de David não estão restritas ao uso sustentável da bicicleta, mas também abordam como os diferentes “projetos” de cidade tornam-se amigáveis ou não a esse meio de transporte, assim como promovem ou não uma integração social através da cultura e entretenimento nos espaços públicos. O livro passeia por cidades como Berlim, Buenos Aires, Istambul, São Francisco, Manila e Nova York, entre outras.
Depois de ler o livro tive a oportunidade de “encontrar” David Byrne pessoalmente, durante sua participação na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), em 2011. De uma só vez realizei o sonho de conhecer o evento e de assistir uma palestra do ex-Talking Heads, com o especialista em planejamento urbano Eduardo Vasconcellos. Este último abordou o tema do transporte sustentável no Brasil como uma questão de mudança de mentalidade e cultural, onde educação e cidadania são os valores principais a serem constituídos na nossa sociedade, para alcançarmos um modelo eficiente de transporte público com vias amigáveis às bicicletas. Já David Byrne mostrou uma sucessão de slides onde o foco era a formação de modelos de comunidades, passando pela “cidade” organizada pelos cupins, até as cidades irradiadas de Le Corbusier, onde a premissa é a verticalização das moradias, a opção automobilística para os deslocamentos e a “morte das ruas”, dando lugar aos condomínios e áreas de lazer isoladas. Com tanta informação e identificação, terminada a palestra, fui correndo entrar na fila do autógrafo.
Como David Byrne mesmo comenta em seu livro, andar de bicicleta nos coloca num estado meditativo. Sobre as duas rodas ampliamos a nossa visão de mundo, ponderamos nossas escolhas e refletimos de maneira mais participativa sobre os problemas e alegrias que as cidades nos trazem.
[Texto e fotos de Priscila Cabral]
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